San José Foto

PALHETA.ITALY.167

PALHETA.ITALY.167

Entrevista com Bruno Morais

Bruno Morais, fotógrafo brasileiro que vai apresentar a série Paletas na segunda edição do SAN JOSÉ FOTO, fala entre outros assuntos, sobre o caminho que percorreu até chegar a fotografia, a ideia por trás do projeto Paletas e o papel da fotografia em discussões vinculadas a questão de gênero.

Como você se tornou fotógrafo?
O caminho foi todo transverso! [risos] Eu já sabia um pouco de fotografia mas não levava muito a sério, sentia uma certa reticência com a imagem ainda. Na faculdade de Educação Física comecei a participar de uma Companhia de Dança Folclórica que viajava o Brasil inteiro fazendo pesquisas. Eles tinham um acervo de fotografia que era mantido pelos membros, mas em uma certa época, ficou parado porque não tinha mais ninguém para fotografar. Aí existia a ideia de colocar esse acervo para funcionar novamente, e eu acabei ficando com a responsabilidade de fazer as fotos. Foi assim que comecei.
A primeira vez que vi as fotos que eu tinha feito para a Cia de Dança, senti que tinha alguma coisa diferente ali, que expressavam mais de mim do que qualquer outra coisa que eu já tinha feito. De qualquer forma não foi imediatamente que decidi largar tudo para fotografar. Me formei em Educação Física, continuei dando aulas, fui fazer outra universidade, e aí nessa época eu já estava bem determinado a viver de fotografia mesmo. E há uns sete anos deixei tudo que eu fazia que não tinha relação nenhuma com a fotografia.

 

Perimetral
Perimetral

Foi nessa época que surgiu o Coletivo Pandilla?
Sim. O Coletivo Pandilla é formado por mim (Bruno Morais), o Léo Melo e o Américo Junior. Foi uma mudança radical, quebrou esse paradigma da fotografia como produção de uma pessoa solitária. Compartilhar o ato fotográfico foi muito importante pra mim. O coletivo também reduz o nível de egocentrismo, não tem mais aquele lance de “minha foto”, é a foto de todo mundo. Muitos trabalhos nem usamos crédito individual na imagem. Em alguns inclusive, compartilhamos a mesma câmera, circulando entre os três. Temos a característica de tangenciar o assunto, fazer uma fotografia que não seja tão literal, tão explicativa, e nossa relação é tão forte que além das imagens passamos a nos influenciar muito como pessoas. Já são seis anos juntos e quatro projetos concluídos.

 

Memórias Desenterradas
Memórias Desenterradas

Pode falar mais sobre o trabalho Paletas que vai apresentar no SAN JOSÉ FOTO?
A ideia surgiu numa conversa de boteco! [risos] Passou uma mulher na rua que parecia saída de uma passarela. Esse fato gerou uma discussão na mesa sobre como a moda e suas tendências emitem seus sinais pra bem longe. Pouco tempo depois passou outra mulher com uma combinação bem diferente. Então entramos numa nova discussão de como as pessoas também não aceitam passivamente a moda, elas também recombinam e resignificam. Nessa hora pensei que talvez eu pudesse fazer um trabalho sobre isso. E escolhi fotografar só mulheres porque elas acabam sendo o alvo desse mercado da moda. Não só como consumidoras, mas também como suportes de uma estética feminina idealizada.

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Mas eu não queria falar sobre esse assunto de uma maneira muito documental, mas sim levar para um lado um pouco mais humorístico. Eu gosto de tratar alguns temas com leveza. Acho que essa seriedade da fotografia, sobretudo a documental, pode afastar um pouco as pessoas das discussões. Imagens que de uma maneira te explicam tudo de uma vez só, sem dar possibilidades de contra argumentar, ou então seguem para um lado muito conceitual e as pessoas não participam porque não entendem.
Então, queria criar uma imagem que despertasse o debate sobre o assunto, mas sem impor nenhuma conclusão. Então decidi que iam ser retratos, fiz alguns testes e cheguei a esse layout com as cores da paleta por trás da pessoa. Depois de ter definido o formato fui para as ruas e abordava as pessoas dizendo que estava fazendo um trabalho sobre moda. Para escolher as retratadas, eu procuro combinações que fogem um pouco do padrão. Já fiz retratos desse projeto em Cuba, Quito, Rio de Janeiro e na California. Mas o trabalho continua!

O tema dessa segunda edição do festival é Gênero. Qual você acha que é papel da fotografia nessa discussão?
Acho que o papel da fotografia em qualquer área é criar instabilidade, é criar o balanço, e não colocar uma opinião dura, fechada. Seja em discussões sobre gênero, sobre violência policial, como as que estamos envolvidos num projeto agora com o coletivo, ou qualquer outra, acho que o mais rico para a fotografia é o quanto ela pode criar incerteza, dúvida, deixar as pessoas curiosas. Acho que a gente já vive há muito tempo essa ditadura de uma imagem que quer explicar tudo de uma vez e só esta afastando as pessoas. E mesmo que todos estejam fotografando mais, os vejo mais afastados da fotografia, é um paradoxo curioso pra mim.

 

Palhetas
Palhetas

Qual é a importância dos festivais pra você como fotógrafo?
Pra nós do coletivo, a participação nesses eventos ainda é um processo lento. Esse ano realmente foi mais interessante porque entramos no FotoRio com uma grande exposição coletiva no Museu Histórico nacional ao lado de outros fotógrafos que já estão na estrada a mais tempo.
Esse ano tanto eu quanto o Américo também apostamos em mostrar trabalhos individuais. E ter sido indicado pela Cristina para entrar no SAN JOSÉ FOTO, pra mim é uma experiência riquíssima. Frequento festivais há alguns anos é sempre interessante, mas ter seu trabalho exposto e poder debater mais com as pessoas sobre isso é muito enriquecedor e acaba te projetando em direção a outras possibilidades.

Quais são seus próximos trabalhos?
O coletivo está pensando em um trabalho sobre Kosovo em cima do fato de que o Brasil como Estado não reconhece Kosovo, mesmo reconhecendo outros casos territoriais semelhantes como a Palestina, por exemplo. E como eles vêm para os jogos olímpicos como uma delegação independente, pensamos em fazer um trabalho sobre essa contradição, no momento estamos trabalhando em ideias para transformar isso em imagem.
Também devo começar um projeto sobre o Jogo do Bicho, que é supertradicional no Rio de Janeiro, uma atividade que apesar de ilegal ainda é bem popular. Eu tinha um avô que era viciado no jogo, então vivi um pouco dessa realidade. E há um tempo comecei a juntar uns bilhetes de passagem aérea, porque o número do voo é sempre uma milhagem de jogo, então estou pensando em fazer apostas com esses números, juntar essa minha experiência de estar viajando e a questão do jogo do bicho, mas ainda estou pensando em como chegar nisso.

Memórias Imaginadas
Memórias Imaginadas

Você também está trabalhando ao lado da Cristina de Middel em um projeto sobre a figura do Exu. Pode nos contar mais sobre a ideia?
Na segunda vez que ela esteve aqui no Rio de Janeiro pra fazer um trabalho sobre prostituição eu fiz a produção do projeto pra ela, e ela me disse que queria conhecer mais sobre religião, e acabei levando ela em uma gira de Exu. Ela gostou muito e me perguntou mais sobre essa figura, expliquei um pouco do que eu sabia, e então começamos a pensar sobre essa tradição que veio da África pra cá, e que no Haiti ela viu algo também, uma figura parecida, e começamos a desenhar um projeto que seria o caminho de Exu vindo da África passando pelo Rio e indo pra Cuba e Haiti.
Tenho um amigo que é pesquisador aqui, e propus pra ele escrever um conto que seria como um roteiro pra ilustrar essa história. Já fizemos algumas fotos em Cuba e estamos pensando em como continuar o projeto.

Pretende desenvolver algum trabalho no Uruguai?
Quero continuar fazer alguns retratos da série Paleta. Gosto sempre de aproveitar bastante as viagens para desenvolver algum projeto. Tenho lido muitas coisas, o Uruguai tem temas interessantes como a legalização da maconha. Mas também gosto de não definir muito o projeto, prefiro dar espaço para a vivência que tiver lá, e tenho certeza que o SAN JOSÉ FOTO vai ser maravilhoso.

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